O barulho alto e incômodo do despertador me fez acordar às duas e trinta da madrugada daquela terça-feira. Não fazia nem três horas que eu havia conseguido de fato cair no sono já que a ansiedade me tomou durante a maior parte do dia anterior. Faz menos de quatro dias que descobri que passei para Comunicação Social na Universidade Federal de Viçosa. 

Eu já havia desistido de entrar, as listas não chamavam ninguém há semanas. Comecei o cursinho, arrumei alguns trabalhos para juntar dinheiro e estava tentando recuperar a saúde mental depois de tanto estresse ao falhar no ENEM. Então, imagine a minha surpresa quando abri a última lista de chamada na sexta-feira e vi meu nome lá. As aulas já haviam começado e eu precisava me mudar o quanto antes.

Em menos de 96 horas minha vida girou de cabeça para baixo e precisei despedir-me de toda a minha família, tirar as roupas do armário para colocar nas malas e arrumar um lugar temporário para ficar, que acabou sendo a casa do meu namorado. Realização, orgulho e felicidade definem esses últimos momentos, longos meses de muito estudo, pressão e cobrança até que eu entrasse na faculdade. Porém, não vou negar que existe, bem no fundo, aquele medo da mudança. 

Levanto-me da cama já agitada, o chão frio me fazendo encolher antes de calçar as pantufas e ir ao quarto dos meus pais. Minha mãe já está acordada, aproveito que ainda temos alguns minutos e enfio-me debaixo das cobertas com ela, deixo que seu carinho acalme minha ansiedade. Acho que eu poderia ficar para sempre dentro desse abraço tão reconfortante. Dura pouco, logo temos que nos levantar e trocar de roupa, levando as (muitas) malas que arrumei para o carro. Foi corrido, tudo foi muito rápido e, quando vejo,  já estou trancando a porta de casa e pensando “está tudo bem, vai dar tudo certo, faça o esforço valer a pena e não chore agora”. Olho rapidamente para minhas duas cachorras no portão de casa antes de, com um leve aperto no peito, entrar no carro.

Os primeiros minutos enquanto saímos da cidade são emocionantes. É difícil segurar o choro. O medo começa a me dominar e preciso repetir muitas vezes para mim mesma que tudo ficaria bem, que eu não posso chorar agora, não enquanto meus pais estão no banco da frente e ficariam preocupados.

As borboletas rodopiam meu estômago, o nó na garganta me dificulta a prender o choro enquanto eu vejo as paisagens tão conhecidas ficarem para trás. Não consigo parar de pensar que não sei quando irei revê-las, a próxima vez que estarei em casa. Os pensamentos estão a mil, como é a cidade para a qual estou indo, algum dia vou enxergá-la como minha casa?

Para me distrair de todo o nervosismo, pego meus fones de ouvido, coloco minha playlist favorita e divago pelas histórias dos livros que tenho lido nos últimos meses. A leitura sempre foi e sempre será a melhor forma de me acalmar e me levar para um lugar seguro e confortável, não foi diferente dessa vez.

As próximas horas se passam assim, a paisagem verde da estrada pela janela, as músicas tocando no fone, o vento frio batendo em meu rosto e o urso de pelúcia vinho (um presente que meu pai me deu quando era criança) descansando no meu colo. A felicidade voltou, eu estou tão ansiosa para conhecer tudo e para reencontrar meu namorado (que há pouco havia se mudado para Viçosa para fazer faculdade também). 

Não sei exatamente quando caí no sono, mas acordo já de manhã e escuto meu pai dizer que achava que estávamos dentro da faculdade. Apressadamente aprumo a postura e olho pela janela com os olhos arregalados, ouvindo “Você chegou ao seu destino.”

A sensação é inexplicável, eu poderia escrever um livro inteiro mas nada se igualaria ao que senti quando vi onde passaria os próximos anos, o lugar que me esforcei tanto para entrar. A grama bem cuidada, as árvores reluzentes… Tudo é tão bonito, tão acolhedor! Meu coração está acelerado, o sorriso prendeu-se em meu rosto enquanto eu absorvo o máximo de informações que posso.                                        

Os estudantes estavam chegando para as primeiras aulas e me perco imaginando quem são, o que fazem, de onde vem… Sempre me prendo nessa reflexão de que tendemos a achar que somos os protagonistas de tudo, mas nos esquecemos que os outros “personagens” da nossa história, são também os protagonistas de seus próprios enredos. Isso me faz ficar muito tempo imaginando qual seria a história de todos aqueles estudantes que circulavam pelo campus naquela manhã ensolarada.

As expectativas estão a mil na minha cabeça, tudo é fascinante, eu mal posso esperar para criar uma nova rotina. O medo ainda está ali, acho que ele ainda vai durar um bom tempo estando tão longe de casa e de tudo o que eu conheço, mas ele divide espaço com a felicidade, com a sensação de um sonho que foi realizado.

Minha vida iria mudar, eu podia sentir o clima, mas naquele momento eu não queria viver nada além daquela mudança.