Os olhos amarelos me pedem um perfil jornalístico. Digo: “Vamos marcar uma entrevista. “Não precisa, estamos juntas toda a pandemia”. Quase tudo o que Isabella Mafra Moreira diz faz sentido. Ela é um daqueles seres escorpiônicos cujos olhares desconcertam estátuas. Vê coisas, pressente pessoas… às vezes até demais (risos). Desde março do ano passado, temos enfrentado, juntas, essa doideira que o mundo virou. E se eu ainda não fiquei doida de tudo, muito foi por sua causa. Estar com Isabella é mergulhar no rio Piranga. Se por cima está seguindo o curso, no fundo é um turbilhão. Uma hora canta baixinho e manso, noutra berra contra a situação: “É de partir o coração, esse bosta merecia sair do governo algemado direto pra cadeia!”.  A injustiça e a covardia a incomodam ainda mais nesses tempos de milicianos. Tia Bel, como a tenho chamado, é o som da casa. Tanto pisando firme no andar de cima, quanto na conversa com os bichos ou falando sozinha, ela tem enfrentado o Corona vírus com música, muita música. No início, compôs paródias, depois, relembrou “aquelas”. Quando não está tocando, está ouvindo. Amante da bossa nova, redescobriu Rosa Passos. No seu violão, extensão do seu corpo, toca o que quer, na hora que quer. “Vamos gravar?” Os vídeos que Isabella produz com quem estiver por perto, de preferência sua gêmea Andréa, tem alegrado as pessoas no Facebook. Num deles, me fez ser o Zacarias, noutro, declarou seu amor à nossa casinha na árvore. Tirando o medo do contágio, o tempo de isolamento social parece não a incomodar: “Ficando aqui com você e os meninos, mãe, Andréa e Lelê, meu violão e uma cervejinha, tô de boa”. Os meninos são Guga, que há mais de dez anos, seguiu-a até em casa, e Shitake, o marrento brilhante que a espera toda a manhã, e se ela demorar, ele resmunga, só para um abraço. Bichos e família, para ela, são o que mais importam. Em uma passada pelo seu Face, animais inteligentes e fofos misturam-se às mensagens pros tios e aos vídeos tipo #tbt de primos. Apesar da distância, ela anda em dia com todos no WhatsApp (só da família tem três). Do seu jeito, mantendo a fama de onça, ela cuida do Mundo. “Pode passar minha senhora”, parando o trânsito para uma cadelinha atravessar; “Como é que pode o sujeitinho sem máscara!”, encarando o cara que passa. Quem não a conhece, confesso que até eu em incertos dias, pode pensar que ela é irada. Mas, toda manhã, Isabella faz o café, cuida dos meninos e também das meninas (agora, temos três galinhas). Se tem sol, sai animada e de meias pra rastelar o gramado. E ainda pode aparecer, pisando manso por trás, pra me ajudar, com A paciência para amarrar bromélias, fazer varal, semear o milho… Há mais de um ano, de pano e álcool em punho, me acompanhou pra cirurgia no hospital; um pouco antes, parou com a produção de cogumelos, pôs a irmã, sobrinha e mãe “debaixo do braço” e as mantém até hoje por perto. “Tia Bel, cara de papel, pastel, chapéu”, pula no seu colo a afilhada, Letícia, gritando o repetido bordão. “Amo demais a Lelê!”, derrete a fada, ops, a tia madrinha. “Então tá, vou escrever, você confia?”, provoco. Ela coça a cabeça no jeito igual ao vô Zeli, sorri de lado e começa a dançar. O corpo meio boneco de mola, Renato Russo e Michael Jackson sai pela casa fazendo graça. Assim, a pandemia vai passando mais leve, para ela e pra quem estiver ao seu lado, na companhia desse amor (meu) de onça!