Naturalmente entramos na casa da minha avó e ficamos na varanda dos fundos, que é grande e espaçosa. É lá que a família se reúne aos domingos e em datas comemorativas, isso em tempos normais. Cheguei à sua casa no dia 6 de maio, por volta das nove e meia da manhã. Minha vó, dona Maria Luíza veio caminhando ao meu encontro, com sua camiseta branca estampada com a foto de dois netos, presente que recebeu deles, e uma saia. Existe muita troca de afeto ali, eles cresceram nesta casa aos cuidados e ao lado dela. Guiada pelo som da minha voz, ela se aproximou e eu fui ao encontro para pedir sua benção. 

Vó Maria, tem uma doença ocular rara, hereditária e degenerativa que causa deficiência visual grave, chamada retinite pigmentosa ou retinose pigmentar, que pode conduzir à cegueira e no seu caso, a deixou no grau máximo da sequela. Na maior parte da sua vida ela enxergou, foi no começo da sua melhor idade que a doença avançou até o limite, mas hoje ela nos enxerga de outro modo, com outros sensores que somente eles (deficientes visuais) sabem usar. É ela quem nos faz enxergar além do que naturalmente nós vemos.

Por trás da cadeira, que é o seu lugar de sempre, o fogão a lenha guarda histórias que perpassam décadas. Nos registros fotográficos, lá está ele testemunhando algum acontecimento familiar: as mulheres cozinhando, sorrindo e conversando, crianças sempre por perto – essa era a regra quando a família se reunia – que só faziam correr pela varanda e pelo enorme terreiro.    

Dona Maria está bem, já tomou a primeira dose da vacina e me conta que não tem medo de pandemia. Desde o início, ela reza, pedindo ao Sagrado Coração de Jesus que acalme essa doença, abençoe a mão dos trabalhadores da saúde, as vacinas para que coloque um fim na COVID-19 e nesse avesso que virou o mundo. “Está acabando com o povo não só do Brasil, mas de todo os lugares”. Completa dizendo que não pode continuar como “lá vai indo”.    

É costume deparar com ela rindo de algo que esteja nos contando. Foto: Jamília Lopes

Tranquila e agradecida a Deus, relata que está bem demais, que não se sente mal. Depois da primeira dose da vacina até outras dores que ela sentia desapareceram. A segunda dose está a menos de um mês para acontecer.

Ouvir o que não esperava naquela conversa, ela dizer que não sente medo. Em alto e em bom som, com todas as sílabas e palavras, me confessou que, “não tenho medo mesmo, pois não tem lugar para a gente se esconder de pandemia nenhuma”, uma vez que nem em casa estamos seguros. Disso todos nós sabemos, o externo pode trazer para dentro o perigo. Para ela, nós podemos nos esconder em oração. Se todos começarem a rezar com fé que Deus, ele nos atende, que ele não dorme. Diz o ditado popular,  “Deus deita mas não dorme”, que ele está sempre em alerta por nós. 

Ela agradeceu por está aqui, alegre, satisfeita e em oração. Na quaresma inteira, todos os dias um terço foi rezado. Atualmente está fazendo o mês de Maria, todos os dias um terço é para ela. Ela contou ter recebido a bênção para si e a todos para quem tem pedido. Disse também, que é um mistério das suas orações. Em suas conversas com Deus, ele tem atendido os pedidos que faz. 

Comento sobre o número de mortes no país e de imediato ela responde que é muito triste, o mundo está triste, está chorando. Ela não deixou passar batido a questão daqueles que fazem festas escondidas, procuram por lugares estratégicos para realizar festinhas. Falou indignada desse tipo de gente. Reforça que são pessoas que não tem capacidade de se ajoelhar e rezar uma Ave Maria, de colocar nas mãos de Jesus Cristo e pedir por misericórdia por nós adultos e pelas crianças. Pelas quais nós temos mais medo e lamentavelmente estão crescendo sem saber o que está acontecendo. 

Finalizamos a nossa conversa com fortes palavras de sua crença, que o que temos a fazer “é gritar a quem pode nos valer, os médicos valem, os remédios valem, mas primeiro Deus. Se Deus não determinar a bênção para a pessoa viver, ela irá ‘descansar’, não tem jeito não”. 

A minha querida avó é luz para as nossas vidas e para quem a conhece e lhe deseja bem. Mulher que não corre da luta, “ aos trancos e barrancos” como ela mesma diz. 

Escrito por

Jamília Lopes Soares

Estudante de Comunicação Social/Jornalismo na Universidade Federal de Viçosa. Com o olhar na minha concepção humana, onde está o meu eixo.