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Hoje é dia de casa cheia, de menino correndo pra lá e pra cá, de gritaria de criança, de balão no chão e de som de conversas atravessadas das tias da família. Hoje é dia das mães e, em tempos de pandemia, mães e filhos são os únicos que têm permissão de se unir sem julgamentos ou receios da doença que tomou o mundo em 2020. Mas a história que vou contar aqui não é a de uma mãe… Dona Eliete, ou Tia Norma, como é conhecida, nasceu no interior, tem 60 anos, é uma daquelas solteironas que nunca teve filhos e que gosta do gosto da liberdade. Vive das limpezas de chão das casas de senhoras abastadas e endinheiradas na capital de Minas e da confiança de quem abre a porta pra deixar entrar o seu pano de alegria do lar.  Não só para limpar, mas também para fazê-los conversar. Norma é falante, gosta de se comunicar e, embora contagie mais que COVID-19 com sua risada, também tem suas horas de quietude e concentração. No dia de hoje, deitada de lado na cama ao meu lado, a tia não tem passado muito bem e sente o pesar de ter que conversar… Nem sempre os dias de pandemia são energizantes e ocultam as dores do ofício da profissão.

Mesmo sabendo que o corpo não tem passado muito bem, só Eliete entende como a alma foi renovada nesses últimos meses. 

Poetas, romancistas, compositores, astrólogos, psicólogos, cineastas,  jornalistas, carteiros, desenvolvedores de aplicativos, cantores, artistas, neurologistas, homens, mulheres e todos os adolescentes vivem escrevendo e falando sobre paixão e amor. Se você procurar um pouquinho, você consegue encontrar até pesquisas científicas que tratam a paixão como o vício do animal racional. E será que não é mesmo ? 

A solidão aflorada pelos tempos difíceis levou a diarista a entrar em um desses sites de relacionamento que tomam conta do mundo moderno. Encontrou um homem educado, gentil e de boa aparência. As conversas vagueavam de um lado para o outro, mas por fim, em 7 de Novembro de 2020, as mãos se entrelaçaram no meio de uma rodoviária lotada de germes de todas mãos, pés, braços e cotovelos que encostam nos bancos, nos corrimões, nas bancadas, nas vitrines e nas paredes de um lugar que faz translado de pessoas. 

– “E se você não gostar de mim?”

– “Uai! Se eu não gostar?”

– “É a primeira vez que a gente vai se encontrar e é nessa distância toda…” 

– “A gente vai se conhecer, ué!”

– “Onde?”

– “Na rodoviária.”

– “Mas e aí, e se não der certo? Como que a gente fica?” 

– “Uai . Não fica. Eu só quero te conhecer.”

Os questionamentos de Eliete antes de encontrar o futuro namorado, Moacir, em Conselheiro Lafaiete, não foram validados/reconhecidos pelo mesmo. Mas, apesar do sentimento de dúvida, a segurança no dia do encontro tomou conta do corpo de Tia Norma. Se você perguntar se ela teve medo de ir pra uma cidade desconhecida e com alguém que ela nunca viu na vida, ela faz cara feia e empurra os lábios pra fora, como se dissesse “Que isso, menina! Vê lá se risco não tem em todo lugar?!!”. Frase que não cansa de repetir nos seus dias regulares. Norma ultrapassa a maturidade e a modernidade de pessoas muito mais novas.

A foto é de um jeito, presencial de outro… o Moacir ficou mais magro, a Eliete ficou mais baixa, o Moacir continuou educado, a Eliete continuou bonita. 

Em pouco tempo ele me chamou pra ir morar com ele, sabe?! Fiquei em estado de euforia, assim. (olhos arredondados e tremedeiras do pé à cabeça). Mas não dá não. Depois a gente pensa com mais calma, né?! A gente tava no quarto, eu estava preparando pra vir embora e ele estava deitado e disse que era pra eu me ajeitar pra depois que aposentar ir morar com ele. Tenho planos e quero, mas o futuro tá tão incerto né?! Só Deus sabe o que vai acontecer!

O spray com álcool borrifa na bolsa, na perna, nos braços e nas mãos morenas e grossas, mas no fim, o risco do caminho para encontrar o amado está nas mãos de Deus também. Afeto, amor, compreensão são os alicerces da vida. Escrevemos a história com o amor da adolescência. E pra quem sempre foi convidada a entrar para reparar a bagunça e organizar a vida de seus patrões, dessa vez as portas da casa e da vida de Dona Norma foram abertas para chamar o amor maduro de adolescência.

Então, amor, vai entrando. E pode bagunçar…