Cadernos de entrevistas

Um artista não conhece fronteiras…

Morando em Viçosa há mais de 20 anos, o artista plástico Charles Ivan trabalha como restaurador na UFV e já consolidou seu nome na cidade. Suas obras, tanto originais quanto restaurações, estão por todos os lados e é difícil para um morador da cidade ou região já não ter se esbarrado com alguma delas pela vida. Charles Ivan é natural do Rio de Janeiro, mas ainda pequeno se mudou para Coimbra, na região sudeste de Minas. Incentivado desde criança pelo pai, Charles se identifica como artista desde os quatro anos, quando já fazia seus primeiros esboços em cadernos de desenho. Os anos se passaram e em 1993, aos 25 anos, ele começou a viver da sua arte. Em 1996, ganhou seu segundo prêmio, dado por uma revista norte-americana por seus desenhos. Pouco tempo depois, passou a se dedicar a fazer também esculturas, outra área que ele domina. Charles Ivan desembarcou em Viçosa pela primeira vez ainda adolescente, saindo da casa dos pais. Veio estudar em um colégio da cidade e lá ficou durante todo seu ensino médio. Depois retornou a Coimbra. Depois de 10 anos, o artista retornou à cidade para estabelecer moradia. Atualmente o artista se prepara para novas exposições, com temáticas diversas. Enquanto está no processo de criação de novas obras para sua próxima exposição, deu detalhes sobre da sua vida como artista plástico na cidade de Viçosa aos alunos de Jornalismo Isabela da Matta, Tafael Mendes, Ueslei de Souza e Renan Estanislau.

Charles ao lado do símbolo da UFV, na Pinacoteca da universidade

Painel Narrativo – Como foram seus primeiros anos aqui em Viçosa?

Charles Ivan – Ah… Foi bem… bem, até bem de mais. Eu fiz duas exposições, na época não tinha muita crítica sobre arte né. A primeira exposição minha que foi até interessante, que se eu fizesse hoje eu ia ser preso, que foi Charles Nu, N.U lápis, que eram uns hiper-realismos de mulheres nuas, homens nus, mas não tinha nada de erótico, a classificação era 12 anos, tinha até classificação, mas não tinha nem um… vou ser mais, mais assim, não tinha nem um peitinho, nem uma bunda de fora e nem um órgão genital de fora eram…. Nus, nus artísticos mesmo de ambos… Aí eu fiz uma exposição de nus artísticos, foi muito legal, mas só que aqui quando eu cheguei, tinha um grupo fechado de artistas, hoje não tem mais né, mas aqui tinha oito pessoas que eram os oito artistas que eu chamava de “a panelinha” e… depois eles foram se dissipando porque eles só faziam arte contemporânea e… eu sou o contrário de contemporâneo que eu acho uma boçalidade, mas depois se vocês quiserem saber porque, eu posso explicar também. Então eles pintavam assim, qualquer coisa, jogavam tinta na tela e vendia aquilo, só que eles forçavam a pessoa a comprar. Eu acho assim, como eles era panelinha, eles tiveram que evoluir, como eles não, não sei, eu não posso julgar ninguém, mas eu tô falando assim, como eles não evoluíram, se perderam. Então não existe mais essa panelinha e aí eu passei a conviver com os outros artistas para poder, a gente criar o nosso estilo de trabalho, que é um estilo agradável de você ver entendeu? Você vê e se sente bem, porque contemporâneo é… abstrato, contemporâneo, isso aí a pessoa tem que tem muita sensibilidade. O cara tem que ser artista mesmo, porque eu vou te falar o seguinte, é você olhar um quadro, por exemplo, um Pablo Picasso, um cubismo, bem daqueles mais radical dele e falar: “Pô, esse cara… isso eu não entendo nada, esse cara é um…” mas pega a fase rosa dele e a fase azul dele não sei se vocês conhecem por…. O cara é gênio, o cara é gênio, agora, ficar pintando quadradinho, coisas disformes, mas ele já tinha uma… né? Uma bagagem.

P.N. – Isabela: Na sua opinião o mercado da arte é valorizado em Viçosa? O quê que pode mudar?

C.I. –  É, oh, eu acho assim, como eu tinha dito antes, foi até bom, a pergunta foi até inerente, é… existia  essa panelinha, então, Viçosa tinha que consumir só aquele tipo de arte, só existia aquele tipo e aquela linha de arte daquela.. daquele grupo fechado, com o aparecimento de pessoas igual eu, um rapaz chamado Jamil, ou outro chamado Charel, um outro chamado Jarbas, um outro chamado Renan. Com o aparecimento desses caras, tem uma menina chamada Marcela, é Marcela? Tem uma menina chamada Marcela e com o aparecimento desse pessoal, esse mercado de arte que era único e exclusivo daquele tipo de trabalho. Ele… criou umas ramificações muito grandes, então eu tenho alunos meus que hoje começaram fazendo aula de desenho comigo quatro deles fazem escola superior de arte, o outro faz design de… Designer na UFJF, a outra fez… a outra tá fazendo artes plásticas na UFMG, o outro passou em artes gráficas na UFJF. Então quer dizer, esse pessoal novo, eles tiraram aquela coisa de só consumir aquele tipo de arte, hoje, eu acho que o mercado de arte em Viçosa tá bem legal, é… se eu tenho assim é… Sobrevivido com arte é porque abriu essas novas, esse novo leque. Não é mais uma coisa só, aquilo me irritava muito, saber que só quem podia vender quadro aqui eram só oito pessoas distintas, hoje você pode fazer qualquer trabalho aí e você é bem aceito no mercado.

P.N. – Quais foram os lugares que você trabalhou aqui em Viçosa?

C.I. – Todos os jornais, eu fui chargista e caricaturista de todos os jornais de Viçosa, então se todos os jornais é todos os jornais, tá? Fiz algumas vinhetas pra TV Viçosa, fiz cenografia durante quatorze anos pra quase todos os eventos de dança e teatro que teve em Viçosa. É… restaurei a escultura do Ervê Clodovil, é… que foi quebrada porque era exposta, quebraram os dois braços dele, quem fez a restauração fui eu. Eu… eu fiz a restauração do prédio principal aqui, que faziam vinte e três anos que eles não sabiam como era a pintura do arabesco e eu fui lá e descobri e fiz. Eu tô fazendo a restauração dos arabescos da casa Artur Bernardes que tinha mais de cem anos que ninguém nem, oh, menos de cem anos, ah, uns oitenta/noventa anos que ninguém sabia que tinha pintura embaixo. Todas as igrejas da região tem uma pintura minha, todas, todas, sem exceção. De Ponte Nova a Ubá, de Ubá a região aqui toda, essa microrregião daqui toda: Viçosa, Canaã, São Miguel, Coimbra, é… que mais hein? Eu trabalhei em duas agências de publicidade daqui de Viçosa. Trabalhei na… não gosto de falar, mas a logomarca da Rastro, da Clorofito, feijão Pereira e mais um monte aí fui eu quem fiz. É… e hoje eu trabalho aqui no museu, já trabalhei na biblioteca. Na universidade, eu já trabalhei na biblioteca, na diretoria de manutenção urbana, fazendo a sinalização do campus, hoje eu trabalho aqui como restaurador e lá no museu Artur Bernardes só.

 

P.N. – Qual foi o projeto que você participou/ que você fez, que você mais gostou?

C.I. – Boa pergunta hein, ah, tem vários, não tem um só não, mas o quê eu mais gostei foi um em Santa Catarina que eu fiz um projeto do Marejadas. Todos que envolvem Carnaval. E o resto é todos que envolvem cenário, mas o que eu mais amei de todos, de todos mesmos, foi Alice no País das Maravilhas, que eu levei três dias para fazer o cenário todo, e foi O Cenário. Eu tinha três dias para fazer o cenário. Eu não sei se vocês conhecem a história, mas ela entra dentro de um buraco na árvore, então eu fiz uma árvore gigante no palco do Fernando Sabino, e tem aquela cena em que ela toma um líquido e diminui de tamanho e sai de cima da garrafa, boiando. Depois ela sai e volta em uma xícara. Esse projeto foi interessante porque ela sentava em cima da garrafa, e era uma garrafa que eu fiz de madeira, e quando ela voltava na xícara, era uma dobradiça. De um lado a xícara, do outro a garrafa, no palco mesmo a xícara virava garrafa.  E tinha aquela parte em que ela conversa com o gato, que vai se transformando e aparecendo em outros lugares. Daí eu peguei a menina que interpretava o gato e fazia ela “voar”, mas eram duas madeiras pretas que ficavam embaixo e ela sentava em cima. Então, quando passava a luz, dava a impressão de que ela estava voando, mesmo, entendeu? Foi tudo feito em três dias, então fazer um cenário desse em três dias, para mim, foi a coisa mais bacana que já fiz. Tiveram vários outros: Cinderela, que eu achei que ficou bem projetada, porque tinha que colocar o castelo da Cinderela dentro do palco. Foi tudo feito de papelão, pintado em mármore. Ficou muito bonito.

P.N. – Como você se vê no futuro, em relação à carreira?

C.I. –  Então, o problema todo de onde eu cheguei, e como eu cheguei, é porque eu optei por viver “minimalisticamente”. Não sei se vocês sabem o que é isso.  Eu vivo muito bem, muito feliz, com muito pouco.  Eu tenho tudo que eu quis na minha vida. Mas, para mim, já é muito. Eu nem sonhava a viver só de arte, só trabalhando com arte, a ter meu atelier, minha escola de desenho… não cheguei a pensar nisso. Eu pensei que seria só mais um “hippie” a ficar desenhando na rua, ou viver de arte de rua mesmo. Mas como eu já tive muita experiência, já vivi bastante, já que eu vivo de arte há mais ou menos 36 anos, eu faço muito mais trabalhos hoje do que quando eu trabalhava para os outros. Hoje eu trabalho para mim mesmo e trabalho bem mais que antes. A qualidade do meu trabalho tem melhorado substancialmente, até porque um cara com a minha idade tem que ter pelo menos um pouco mais de experiência do que outros em áreas da arte.

P.N. – você tem algum conselho, alguma orientação, para quem quer seguir o ramo das artes plásticas?

C.I. Claro. Se você quer trabalhar com uma coisa que você ama e nunca ter que trabalhar na vida, vá ser artista, você só vai se divertir. O que mais me alimenta é isso, olharem meus quadros e dizer “Olha, que legal!”. Isso, para mim, é dinheiro, é muita grana. Duvido que vocês não vão comentar para pelo menos três pessoas ou que vocês não vão lembrar de mim por pelo menos uma semana.


Produzido por: Isabela Matta, Rafael Mendes, Renan Estanislau e Wesley Souza

Professor orientador: Ricardo Duarte

Disciplina: Narrativas

Semestre: 2018/1