Cadernos de entrevistas

Tudo pela causa animal

Ela se chama Maria de Lourdes. Para os mais íntimos, Lurdinha. Sua dedicação pela causa animal é reconhecida na cidade, por isso Lurdinha chegou à vice presidência da Sociedade Viçosense de Proteção aos Animais (SOVIPA), uma sociedade sem fins lucrativos que busca dar suporte e lar aos animais abandonados nas ruas. A Sovipa também tenta promover campanhas e projetos em prol da conscientização frente a esse problema público da região. Ela, que é “mãe” de 11 animais resgatados, abriu as portas da sua sala na UFV, onde é professora na área de Educação Infantil, para conversar com as alunas de Jornalismo Alicia Rodrigues Pinheiro, Estela Antunes e Monique Fernandes sobre a sua jornada na Sovipa, a trajetória da ONG e a polêmica do antigo abrigo municipal de animais.

Painel Narrativo: Qual foi o seu primeiro contato com os animais?

Maria de Lourdes: Bom, com animais de rua deve ter mais ou menos uns cinco anos que eu já ajudava de uma maneira mandando ração pra os protetores, e com isso conheci as pessoas da Sovipa, dentro de um processo que o Ministério Público abriu contra uns animais que iam ser utilizados em pesquisa na UFV. Então, eu me envolvi com isso, conheci o pessoal e aí passei a atuar mais pela Sovipa. E como o problema dos animais errantes na UFV é muito grande, na época foi elaborada uma comissão entre prefeitura e UFV, e eu fiz parte dessa Comissão Institucional pra ver que ações poderiam ser tomadas pra diminuir o número desses animais.

               

P.N. – Já chegou a imaginar que se tornaria vice-presidente de uma associação que envolve diretamente e indiretamente milhares de pessoas?

M.L. – Não, minha proposta era ser voluntária, ajudar de alguma forma, né? Mas acaba que o envolvimento passa a ser tão grande… Ia ter uma nova eleição e a presidente ia continuar, alguns membros iam ser mudados e ela fez o convite para que eu participasse. Estou no segundo mandato agora como vice- presidente.

 

P.N. – Quais foram os pontos mais positivos que esse trabalho trouxe a sua vida?

M.L. – Bom, essa semana terminei de escrever meu memorial pra defesa de titular e, mesmo sendo algo acadêmico, eu mencionei a relação desse envolvimento com os animais e com as pessoas,  que doam a sua vida, e não só um tempo. Está sendo um aprendizado muito grande, porque é o que significa doação. Às vezes pessoas, sem poder, dão um jeito de ajudar de alguma forma. Doam aquilo que elas tem condições de doar, algumas financeiramente, outras o seu tempo, seu cuidado…

 

P.N. -E quais são os maiores desafios?

M.L. – A luta de você trabalhar numa Organização não governamental que realmente atenda a tudo aquilo que está no estatuto, e assumir diante da sociedade as limitações. A ONG é muito cobrada às vezes com coisas que não dependem dela e é difícil a população entender que o serviço público, no caso a prefeitura,  não tem como viabilizar recursos de uma maneira muito rápida. As coisas são demoradas, são burocráticas, não depende só de vontades, tanto da nossa quanto da vontade política. Mas quando levantamos os problemas, é possível conseguir soluções. Não é um trabalho fácil, mas é gratificante quando a gente vai vendo que alguns passos, algumas conquistas, mesmo que pareçam pequenas, têm pros animais muito significado.

P.N. – Quais foram as dificuldades no início para levar os projetos da Sovipa para frente? Hoje vocês ainda passam essas mesmas dificuldades?

M.L. – Na época a dificuldade era a organização da ONG. Durante muito tempo, os seus procedimentos ainda não estavam todos registrados, mas o começo é assim mesmo. Houve muita mudança nos últimos anos com relação a liberação de verbas pra ONG, então tivemos que adaptar, tivemos que recolher recursos porque com qualquer registro e qualquer mudança gasta-se muito. A falta de recurso é sempre a maior dificuldade.

 

P.N. – Como já foi dito, a senhora pegou a Sovipa no meio do caminho, né? Mas conseguiria

dizer como e quando a associação começou?

M.L. – Agora em julho vai fazer 18 anos, então, foram muitas pessoas que já passaram. Na maneira como começou exigia-se menos coisas do que atualmente. Você vê 18 anos, parece que “Ah, só conseguiram isso?”, não, foram muitas conquistas ao longo desse tempo. Cada época exige um tipo de luta e cada vez mais a gente procurou colocar uma regulamentação. A gente não pode depender de vontade das pessoas, é uma responsabilidade que é do município, não importa qual prefeito está exercendo o mandato. A manutenção de castrações e uma série de ações que hoje tão regulamentadas e antes não eram aconteceram por causa dessa parceria.

 

P.N. – O poder público não dá suporte para a instituição desde sempre, né? Quando vocês conseguiram apoio das autoridades?

M.L. – Durante muito tempo, pelo que sei, ficava muito na base da pessoalidade. Determinado prefeito conseguia alguma coisa, mas não existia nada regulamentado. Qualquer mudança você tinha que começar tudo novamente. No último ano do mandato anterior do atual prefeito, Ângelo Chequer, eu fui conversar com ele a respeito de outro assunto, e eu mencionei  a questão dos animais, perguntei se ele não poderia marcar uma reunião com a Sovipa. A partir daí que nós fomos levando mais demandas e discutindo que parcerias poderiam ser feitas. O Ângelo é uma pessoa que tem animais adotados, mas o que nós queremos é que não importe quem seja o prefeito, gostando ou não da causa animal, precisamos de uma parceria fixa. Tudo começou á base de conversas e fomos envolvendo outros vereadores  e deputados que dão suporte à causa. Nós temos o deputado estadual Geraldinho Junior, de Juíz de Fora, por exemplo, que já veio três vezes aqui em reuniões discutindo amplamente a questão de proteção. Foram muitos ganhos nesses últimos anos na causa animal como um todo.

 

P.N. – Qual é o tipo de suporte que o poder público oferece a vocês hoje?

M.L. Bom, a cerca de dois anos um projeto foi encaminhado pelo próprio Executivo, de uma doação de um terreno pra construção do abrigo. O que isso envolve? Manda-se para câmara e aquilo é aprovado. Aí, a nossa presidente da Sovipa é engenheira civil, o marido dela também, então eles fizeram uma proposta de um abrigo que vai compor uma área médica, a própria área do abrigo dos cães e a sede da Sovipa, seria um centro de zoonose e um centro de adoção. A Sovipa não tem sede, não tem canil, não tem absolutamente nada. O projeto já foi aprovado nas instâncias da prefeitura, nós conseguimos um recurso que também foi uma emenda do executivo pro problema, que são recursos de multas ambientais, que nós conseguimos a liberação de 130 mil reais, e o senador Anastasia liberou 250 mil que vão ser disponibilizados ao longo de 2018 pra construção. Além disso, a subvenção, que há 2 anos atrás era de em torno de 17 mil reais por ano, passou pra 42 mil e 500 reais, acho que esse ano é até 45 mil reais, que são usados principalmente pra castração. O principal objetivo é diminuir ou manter estável a população de animais, e tem-se que fazer a castração, principalmente das fêmeas, porque sempre vão existir os cães ali, se você tira aqueles, vêm outros dominar, então se você tem ali os cães castrados, eles não permitem outros cães entrarem e não vão procriar. Então, nós temos o castra móvel, que a prefeitura ajuda na manutenção e nós temos partes da castração: uma parte que é pra pessoa jurídica, que são algumas clínicas que fazem um preço bem menor pra animais de rua que são encaminhados por nós, e em torno de umas vez por mês tem o mutirão de castração, que são veterinários que fazem esse atendimento. Na diretoria da Sovipa nós temos pessoas de várias formações, menos de Medicina Veterinária, mas temos vários médicos veterinários que nos apoiam.

 

P.N. – É de conhecimento público que no fim de 2015 o canil municipal que funcionava na UFV foi desativado devido a testes em animais, como já foi mencionado anteriormente. Como isso afetou a instituição?

M.L. – Bom, isso foi um problema muito delicado, ainda mais que eu sou professora da instituição, mas foi o Ministério Público que abriu esse processo. Esse canil que funcionava era um canil bem precário, com poucos recursos e era mantido pela prefeitura com profissionais, cuidadores e ração. E na verdade o próprio Ângelo não tinha muito conhecimento de como isso funcionava, já era algo que tinha entrado na rotina. Foi muito desgastante porque hoje uma parte dos profissionais do Departamento de Medicina Veterinária não dão contribuição nenhuma à Sovipa, realmente houve um rompimento apesar de não termos sido nós, mas nós executamos aquilo, né? Era nossa função porque os animais que eles iam usar eram animais que nós castramos, que estavam vacinados. Foi uma comoção nacional muito grande. Esse processo ainda corre, que esses animais fossem levados por ONGs de outros lugares, de São Paulo e Belo Horizonte. Então, com relação a isso, quando tentou-se dentro da Veterinária ver com a comissão quem assumiu o canil, ver como era o trato desses animais, o próprio prefeito considerou que não era viável e então desativou. Na verdade, eram 14 cães, então não tinham tantos, mas conseguimos levar esses animais, todos foram doados. Hoje, oficialmente, em termos do canil, não tem ligação UFV-prefeitura, mas contamos aí que haja mais interesse até pelo próprio uso da necessidade da formação do médico veterinário, participando das castrações.

 

P.N. – A SOVIPA não possui um abrigo físico, mas sim, voluntários que abrigam os animais abandonados em suas próprias casas até que eles sejam adotados e essa situação não é a ideal. Existe uma previsão para a construção de um centro mais especializado?

M.L. – Nós temos basicamente três grandes voluntários que abrigam uma quantidade grande de animais. Alguns chegam a acolher quase 200 animais. Um deles é uma das fundadoras da SOVIPA, a Clotilde, que tem um sítio todo planejado com baias e com espaço para receber esses animais. Nós temos um cronograma e a construção deve ser iniciada até julho deste ano, mas dependemos da liberação de verba, já que o terreno tem que ser cercado… Tem uma série de coisas que precisam ser feitas. O projeto já está pronto, já foi aprovado. A questão é quando esse dinheiro vai ser liberado. A verba que vem é pela saúde, dentro do controle de zoonose. A prefeitura não tem um centro de zoonose, o trabalho que ela tem é o de vacinação contra raiva, feita nas imediações. Tem a época, mas não tem um setor específico, então a nossa luta é que ele seja realmente um abrigo, e não um canil ou gatil. O abrigo tem que ser temporário, ele não pode acumular cães. Muitos cães em um mesmo lugar, também é considerado maus tratos. O grande risco é que as cidades do entorno, sabendo que há um abrigo, venham trazer animais. São coisas que dizem que acontece. Eu nunca vi, mas tem época que realmente existe um volume muito grande. Nós precisamos fazer com a prefeitura um trabalho com essas outras cidades. Mesmo assim, o problema não vai ser resolvido nem a curto e nem a médio prazo.

 

P.N. – O seu projeto de extensão “Meio Ambiente e Lucidade”, que leva questões sobre cuidados com animais à crianças nas escolas é restrito a Viçosa, ou atende a região também?

M.L. A gente vai em algumas cidades. Já fomos a Teixeiras, por exemplo. Depende do recurso. O projeto de extensão conta com um bolsista, mas depende também de voluntários. Hoje estamos com 9 que atendem em escolas fixas e o tempo do trabalho nessas escolas é de mais ou menos 1 ano já que não trata só da causa animal, mas também de questões ambientais. Todas as crianças recebem um certificado de que fizeram aquele curso sobre o meio ambiente e o conhecimento vai sendo levado pra casa e para vizinhos criando consciência ambiental.

 

P.N. – Aos que têm interesse em ajudar a SOVIPA, quais são os pré requisitos e como é possível se tornar voluntário da instituição?

M.L. Bom, uma outra coisa que implantamos agora é o cadastro de voluntários porque não tínhamos controle e existem pessoas de má fé que usavam o nome da SOVIPA para pedir doações. Pra pessoa que doa, ela nunca sabe se é verdade ou não e queremos dar segurança. Já estamos há quase 2 meses fazendo a ficha de cadastro. Essa é a primeira fase. Todos os voluntários depois disso vão ganhar um crachá para usar em visitas, para se identificar. Basta isso. É só procurar no facebook da SOVIPA, aos fins de semana no Calçadão e nas feirinhas. Precisamos de pessoas compromissadas porque, além de todo o trabalho de cuidados com os animais, estamos sempre vendendo canecas, camisa e fazendo bazares para ter recursos, principalmente para as emergências. Uma coisa importante a ser mencionada também, é que agora existe um número na prefeitura para denúncias contra maus tratos que também é um avanço, até porque, hoje, existe uma legislação contra isso. O telefone é: (31) 3891 6009. Em caso de atividades suspeitas, agora a prefeitura pode ser informada e tomar as devidas providências.


Produzido por: Estela Antunes, Monique Fernandes e Alicia Rodrigues Pinheiro

Professor orientador: Ricardo Duarte

Disciplina: Narrativas

Semestre: 2018/1