Cadernos de entrevistas

Saber viver: saúde mental na Universidade

Levantamentos da Organização Mundial da Saúde mostram que, atualmente, cerca de 33% da população mundial sofre de ansiedade. Nosso país tem a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade do mundo e o quinto maior com depressão – índice que supera todos países da América Latina. Esses dados ganham relevância quando trazidos para o contexto universitário. Em entrevista aos alunos de Jornalismo Abraão Filipe Marques de Oliveira e Maria Fernanda de Oliveira Ruas,  psicóloga Grasiela Gomide de Souza diz que a Universidade por vezes se torna um ambiente de pressão, de competitividade, fazendo que que as relações interpessoais sejam fatores complicadores no adoecimento. “Muitos dos transtornos psiquiátricos mais graves começam nessa faixa de vinte e poucos anos”, diz. Formada na UFSJ-MG, com mestrado em psicologia pela PUC-Campinas e especializada em psicologia clínica e abordagem fenomenológica-existencial pela FEAD/Belo Horizonte, ela recebeu os alunos em sua sala de atendimentos clínicos na Divisão Psicossocial da UFV, onde atua há 14 anos. Ela falou sobre os casos de ansiedade e depressão; o imediatismo como um possível fator de influência; a empatia nas relações; os problemas estruturais na rede pública de saúde do município; e sobre o retorno dos pacientes: “Muito bom quando a pessoa volta ao atendimento só pra dizer que está bem. Até mesmo a consideração por parte da pessoa de retornar e nos dar esse feedback.”

Divisão Psicossocial – UFV

Painel Narrativo – Quais são as doenças de fundo mental e emocional mais comuns hoje? Qual a melhor forma de se referir a elas?

Grasiela Gomide de Souza – Eu acho que “sofrimento” é um bom termo, porque traz para essa perspectiva da subjetividade, da forma como cada um enfrenta, como cada um lida a sua vida e representa bem o sentimento das pessoas. O uso das palavras “doença” ou “transtorno” é importante para a questão da classificação médica e para comunicação entre profissionais, mas às vezes ela é perigosa, pois as pessoas tendem a se rotular, vira um rótulo mesmo, e a pessoa se prende àquilo e quem tá em torno também rotula a pessoa como sendo aquilo e ela não consegue se desprender e, por isso, a gente deve tomar cuidado. Então, falar em “sofrimento” é algo que perpassa a maioria das pessoas que nos procuram e dentro desses casos tem alguns que realmente poderiam ser chamados de transtorno ou doença – codificada dentro da psiquiatra, dentro de um CID [sigla para Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, tabela publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para padronizar e catalogar doenças e transtornos], que são aqueles casos que estão em um estado que esse sofrimento já se tornou uma doença, um transtorno psiquiátrico mesmo.

Entre os sofrimentos mais comuns hoje, no geral, a ansiedade é muito presente. Os jovens que nos procuram, os estudantes universitários trazem muito essa questão da preocupação com a vida, com o futuro, com a universidade; essa dificuldade de lidar com o tempo, de estar aqui no presente, o pensamento está sempre lá no futuro. Então, eu acho que ansiedade é a que está na frente. Tem alguns casos também de depressão e, quando nos referimos a ela, podem ser de várias formas: tanto de um transtorno depressivo, que se arrasta há anos na vida da pessoa, que a impede de ter uma vida social ou podemos estar falando de um momento depressivo, de um episódio, uma reação depressiva frente a algo que aconteceu na vida dela/ da pessoa. Então, podemos dizer, de modo geral, que essas duas doenças são os sofrimentos que mais aparecem.

 

P.N. – Como se percebe a presença desses sofrimentos? É fácil identificá-las em nós mesmos e na outra pessoa?

G.G.S. – Depende. Porque estamos falando de um leque muito amplo. Às vezes, a pessoa está em tal grau de adoecimento que é perceptível para qualquer pessoa. Fica evidente perceber, por exemplo, a falta de ânimo, o choro fácil, a falta de apetite, a dificuldade de se mobilizar, de sair de casa e de fazer as atividades. Agora, novamente fazendo essa diferenciação, pensando na perspectiva do transtorno, há pessoas que têm um sofrimento, um sentimento que as acompanham, mas elas conseguem ir lidando com a vida delas normalmente, de uma forma que quem convive às vezes nem imagina, aquela pessoa que você olha e fala: “nossa, mas você?!”, ela disfarça muito bem, mas dentro dela está com um sofrimento muito grande. Então depende do que a gente tá falando. É importante diferenciar o que é um estado de tristeza frente a alguma coisa que aconteceu, uma reação a um evento – nós, realmente, precisamos viver isso, elaborar esse sentimento, que é natural, faz parte do ser humano e nem se deve tentar tamponar isso – e algo que já começa a persistir por um certo tempo e a afetar a vida ocupacional da pessoa. O limiar é quando isso afeta as outras áreas da vida da pessoa e ela começa a se paralisar, impedindo que ela se desenvolva nas outras atividades e dimensões de sua vida.

 

P.N. – Quais seriam as suas possíveis causas? Estão mais associadas a fatores biológicos, genéticos, sociais ou psíquicos?

G.G.S. – Não tem uma causa especifica. Depende de cada caso. Assim, depende muito de cada um, da história de vida da pessoa, do tipo de personalidade que ela tem, da forma como ela lida com o mundo, da forma que ela projeta a vida dela. Existe uma série de fatores, não dá para especificar um único para todo mundo.

 

P.N. – Pode se falar em prevenção? É possível prevenir?

G.G.S. Sim, é possível. Na medida em que a pessoa tem um suporte familiar positivo, tem uma rede de amigos, que ela tem vínculos e consegue desenvolver essa capacidade também de olhar para si, de fazer contato e reconhecer: “opa, eu não tô legal, tem alguma coisa que não tá bem e eu preciso procurar alguém, eu preciso conversar, preciso expressar, buscar alguma forma de lidar com isso”. Isso pode amenizar muito mais do que fazer de conta que não está acontecendo nada. Vamos botando para debaixo do tapete, vai levando e uma hora esse acúmulo todo explode.

 

P.N. – Como é realizado o tratamento desses sofrimentos?

G.G.S. – Quando se fala em tratamento, existem várias possibilidades. Pode se pensar em um acompanhamento psicológico, que é o espaço que a pessoa tem de se haver com isso, de olhar para si e de ampliar a consciência em relação sua própria vida. Às vezes, a pessoa vai agindo tão no automático que ela não se dá conta da forma como ela lida com suas questões. Então, o acompanhamento psicológico é a forma como a pessoa tem de fazer mais contato consigo mesma e tomar consciência da forma como lida, da forma como tem vivido. E paralelo a isso, em alguns casos, a questão medicamentosa também é importante. Então, as duas coisas conjugadas funcionam muito bem. É claro que depende de cada caso.  Tem uns que só o acompanhamento psicológico já é suficiente, tem outros que precisam envolver a medicação. Mas, no geral, as duas caminham bem juntas.

 

P.N. – A rede pública de saúde está preparada para lidar com esses casos?

G.G.S. – Eu acho que ainda há uma desarticulação entre saúde física e saúde mental, como se fossem duas coisas separadas. Em termos de modelo de filosofia ainda tem essa questão de separação e em termos de estrutura também há um esvaziamento muito grande. Por exemplo, se pensarmos no contexto municipal, ainda existem poucas possiblidades de atendimento de saúde mental dentro na nossa cidade. Então, a população fica muito perdida, em termos de saúde, a quem procurar, ainda é muito difícil.

 

P.N. – Qual o maior obstáculo para a ampliação do acesso ao tratamento psicoterapêutico?

G.G.S. – Investimento público. A gente volta na questão financeira das prioridades do que se investe, de se ver realmente a importância e a necessidade disso. A saúde, de modo geral, entra nesse contexto de sucateamento que ela enfrenta.

 

P.N. – Vamos falar do contexto universitário. A Universidade é um ambiente que deixa as pessoas doentes?

G.G.S. – Seria muito simplista eu falar que a Universidade adoece todo mundo ou que é uma relação única e causal entre entrar na faculdade e adoecer. O que a gente percebe é que muitas pessoas já vêm com um adoecimento antes de entrar na universidade, muitos já vêm com um estado de sofrimento, já passaram por tratamentos, às vezes por tentativas de suicídio, algumas questões bem graves mesmo, já que para algumas pessoas isso já vêm do desenvolvimento delas. Por outro lado, há pessoas que por conta da pressão que recebem dentro do contexto universitário, muitas vezes a pessoa tem um bom desenvolvimento, mas entra diante da dificuldade de lidar com a pressão aqui dentro e pode desenvolver um sofrimento também. Então, eu acho que é uma conjunção de fatores. A Universidade, sim, é um ambiente que pode propiciar isso, porque é um ambiente de pressão, de competitividade. Às vezes, as relações interpessoais entre os pares, entre os professores e alunos são relações difíceis e um fator complicador no adoecimento. E a faixa-etária, também, que os estudantes estão. Muitos dos transtornos psiquiátricos mais graves começam nessa faixa de vinte e poucos anos. Então, isso também propicia. É um ambiente que propicia, mas isso também tem a ver um pouco com a história de vida de cada um, com a personalidade de cada um, com a forma como cada um lida, enfim, é uma conjunção de fatores.

 

P.N. – Hoje, quem mais procura ajuda na UFV: o docente, o técnico-administrativo ou os alunos? Qual curso tem um histórico maior de problemas emocionais?

G.G.S. – A nossa grande demanda é o público estudantil. Nós somos muito procurados pelos estudantes, uma porcentagem muito alta de talvez 95% dos nossos atendimentos é estudantil. Eu não consigo apontar um curso que tenha mais transtornos nesse nível da diferenciação que nós fizemos, na questão do adoecimento. O que eu posso falar é em termos de sofrimento. Aqui, na nossa realidade, estudantes que nos procuram hoje, especificamente relacionado ao curso, são os da área de exatas, que mobilizam mais a procura de estudantes com essa demanda específica em relação ao curso de dificuldade de ser aprovado na disciplina, dificuldades acadêmicas, basicamente são essas.

 

P.N. – Por que os docentes e os técnico-administrativos têm esse distanciamento da busca por apoio?

G.G.S. – Talvez, por eles terem plano de saúde, recurso financeiro maior também e, talvez, por eles se sentirem expostos ao procurarem ajuda dentro da própria instituição. Então, eles preferem procurar fora. Agora, sim, com o estudante, a gente percebe que há uma abertura maior por talvez ser mais jovem, ter uma abertura maior para o tratamento. Acho que é uma porção de fatores que levam eles. Também a questão da espera por atendimento. Embora a gente atenda a comunidade universitária como um todo, a gente acaba priorizando o estudante, a assistência estudantil, justamente por saber que é o público que tem menos condições, menos recurso e demanda uma atenção psicológica, uma atenção psicossocial de uma outra forma.

 

P.N. – Alguns profissionais da educação têm criticado o sistema de cobrança, provas e currículos inchados. Como a senhora vê a política de valorização do coeficiente de rendimento adotado pela UFV?

G.G.S. – Sim, essa questão do coeficiente é muito forte. Por mais que você tente trabalhar com o estudante sobre isso, ele fala: ”ah, mas eu preciso do coeficiente pra ir pro estágio, preciso do coeficiente pra conseguir uma bolsa de iniciação, pra professor me aceitar”. Então, assim, é uma pena. Claro que você ter um bom rendimento, a questão técnica. A Universidade está aí para essa formação acadêmica, mas ela não pode ser só acadêmica. A gente tem que favorecer também o desenvolvimento humano das pessoas, a gente tem que reconhecer! Não adianta daqui sair um profissional 100, com o coeficiente lá em cima, mas que o humano não acompanha, não há um desenvolvimento humano, a pessoa tem dificuldades de se relacionar, dificuldade em lidar com frustração. Então, a questão do desenvolvimento humano também é muito importante. Realmente, sim, a gente precisa valorizar o estudo, mas não acho que a gente pode ficar preso a um número. Um número não pode ser tão importante assim.

 

P.N. – Como a Divisão Psicossocial da faculdade atende aos alunos e o público em geral? Existe algum projeto, programa ou ação desenvolvido atualmente para a comunidade acadêmica?

G.G.S. – A Divisão Psicossocial é formada por profissionais da psicologia, psiquiatria e serviço social. Então, a gente tem essas três áreas, que têm como porta de entrada, por exemplo, a psicologia. Nossos plantões têm sempre um psicólogo ou estagiário de psicologia. Então, a pessoa vem no horário, não tem agendamento prévio, o agendamento é feito no dia, e o objetivo é atender a pessoa no momento que surge a demanda emocional dela. É bem essa ideia de plantão mesmo: se eu sinto uma vontade de conversar com alguém, não estou legal, eu procuro o plantão. Ao mesmo tempo, ela é a porta de entrada do setor, porque, feita essa primeira intervenção psicológica, podem surgir várias possibilidades. Pode ser que a pessoa seja encaminhada para grupos, oficinas que a gente realiza, que são uma proposta do setor também trabalhar com grupos, não só para poder atender mais gente, mas também porque o grupo é muito terapêutico e potencializa muitas coisas. Então, a gente pode estar encaminhando para um grupo, pode ser que a gente encaminha para um acompanhamento psicológico. O plantão se tornou referência para muitas pessoas, um porto seguro essa ideia de que, se eu precisar, em determinados momentos, tem um local que eu posso ir. A Psicossocial busca muito trabalhar com projetos, com grupos, ações coletivas. No caso do serviço social, é muito importante essa parceria entre essas áreas, porque tem muitas questões que são sociais, que acabam gerando sofrimento. A gente busca ver de que forma essas questões podem ser trabalhadas, a fim de amenizar esse sofrimento. E a psiquiatria que é a consulta médica, que também tem o agendamento feito no dia, a pessoa procura quando há necessidade de medicação. A Psicossocial busca a parte do atendimento individual, mas ela tem a missão de ir além. O atendimento individual acaba sugando muito dos profissionais, porque a demanda é muito grande, mas a gente entende que não adianta tentar ficar só nesse atendimento. É preciso tentar desenvolver ações globais, que sejam mais coletivas e que possam ter um efeito maior dentro da instituição. Nesses últimos anos, por exemplo, nós nos aproximamos muito da Pró-Reitoria de Ensino para estarmos tratando dessas questões acadêmicas, para tentar ter essa parceria e poder trazer um benefício maior para a população.

 

P.N. – É possível identificar algo próprio da cidade de Viçosa?

G.G.S. – Nunca tinha pensado tão especificamente nesse recorte. Eu acho que podem ter fatores que contribuam, não necessariamente um fator que seja unicamente causal. Por exemplo, uma das grandes queixas e a gente sabe que é pertinente a falta de opção de lazer, opção cultural, o fato da cidade não ter e não oferecer muitas opções nesse sentido, que são questões que favorecem a saúde mental das pessoas. Eu sou daqui e já vi que isso melhorou muito, principalmente aqui dentro da Universidade, hoje, as opções que a gente tem. Embora muitas pessoas não fiquem sabendo e não tenham acesso, eu já acho que teve uma grande melhora. Mas mesmo assim, a gente sente falta de ter mais, isso é uma questão da cidade pequena não ter mesmo esse recurso. E também a questão da falta de infraestrutura da saúde. Você pensar que a Universidade, que é uma instituição de ensino, tem um setor de saúde mental com mais recursos que o próprio município – recursos que eu digo em termos de pessoal, entre outros fatores. Uma instituição de ensino não é uma instituição de saúde. E mesmo assim a gente sabe das queixas, a gente sabe que não atende todas as demandas, que tem a sua pertinência, mas que não atende todas as demandas. Então, eu acho que a gente poderia pensar também nessa questão da saúde, da falta de recursos. Aqui quando temos uma questão, às vezes, não sabemos para onde ir, não tem para onde encaminhar fora da Universidade. Tem hoje o CAPS [Centro de Atenção Psicossocial], mas a gente sabe que ainda o município precisa avançar mais também.

 

P.N. – Existe um perfil socioeconômico das pessoas que procuram a Divisão Psicossocial?

G.G.S. – Normalmente, são pessoas com dificuldades financeiras e existem vários graus dentro dessa dificuldade. Às vezes, a família tem dificuldades, mas existem condições de disponibilizar outros recursos. Então, de modo geral, os que nos procuram possuem uma certa dificuldade, sim, e a gente tenta, dentro dessas pessoas, priorizar as que têm mais dificuldades. Uma das nossas prioridades é o morador de alojamento, porque já passou por uma avaliação socioeconômica; então, a gente tenta priorizá-lo. Inclusive, foi criado um programa da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários, que tem como objetivo favorecer que os moradores de alojamento tenham acesso mais fácil à saúde, seja na Divisão de Saúde, seja na Divisão Psicossocial.

 

P.N. – Como a senhora vê os casos recentes de suicídio na UFV?

G.G.S. – Realmente, isso tem nos assustado. De uns anos para cá, percebemos que há isso aqui, na UFV, que há isso em outras universidades e tem se ampliado na população. Isso confere um pouco com a nossa percepção também do agravamento dos adoecimentos. Nós temos percebido que há um aumento da procura e da complexidade dos casos. Realmente, é uma coisa que preocupa, que chama a atenção, e não só das pessoas que chegam ao ato, mas o aumento do relato, das pessoas que falam da vontade de morrer ou de tentativas, o que não era muito comum. Antes, as pessoas não falavam, e hoje é muito mais comum escutar relatos desse tipo.

 

P.N. – O suicídio ainda é um tabu? É uma realidade a ser superada?

G.G.S. – Acredito que sim. É uma coisa que assusta muito e as pessoas preferem não tocar no assunto. O Ministério da Saúde tem lançado a campanha do “Setembro Amarelo” justamente para chamar a atenção das pessoas em relação a isso. No ano passado, a UFV aderiu e o slogan que a gente escolheu foi um verso de uma música do Jota Quest que diz “O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço”. Então, nós atrelamos, junto com essa campanha, o slogan chamando atenção para a importância dos vínculos. Qualquer vínculo, seja familiar ou com amigos, tem a importância de acolher o outro, de escutar, dar atenção, oferecer ajuda, de indicar ajuda, de orientar onde buscar ajuda. É muito importante essa rede de apoio das pessoas que estão próximas, isso faz muita diferença para quem está em um estágio de sofrimento muito grande, a ponto de não ver mais sentido nenhum em estar vivo. Claro que a disponibilização de mais serviços, oferecer mais profissionais da área de saúde mental e condições de tratamento são fatores muito importantes, mas as relações entre as pessoas… Saúde mental é relação! Poder oferecer um abraço, poder acolher, poder ouvir, poder acompanhá-la até um setor que possa oferecê-la tratamento, isso tudo também é muito importante. Se a pessoa já vem com esse medo, com esse estado de sofrimento e não tem uma rede, um amparo, ela pode chegar ao ponto de suicídio.

 

P.N. – Como enviar um pedido de ajuda? E, por outro lado, o que fazer diante de um?

G.G.S. – A primeira coisa é aceitar que você precisa de ajuda. Muitas vezes, as pessoas não acreditam que precisam de ajuda, não acreditam na ajuda, acreditam que nada vai ajudar, que alguém vai compreender. É importante que, assim que recebido esse pedido de ajuda, primeiro, compreender o sofrimento da outra pessoa no sentido de empatia, de olhar o mundo com os olhos dela. Às vezes, as pessoas tendem a minimizar o sofrimento do outro: “Ah, bobagem! Você está sofrendo por isso?! Tem gente por aí passando fome, que não tem casa”. Tudo bem! Existem outras pessoas que também estão sofrendo, mas ali também está doendo. A importância de você poder estudar, poder ter empatia. Você não precisa ter uma resposta, nem uma solução mágica, mas o simples fato de você poder escutar, você poder acolher, encaminhar para alguma ajuda já pode ser uma atitude muito significativa.

 

P.N. – Como a mídia pode lidar com essa questão: noticiar ou não?

G.G.S. – Até uma das orientações da campanha do Setembro Amarelo é em relação a essa questão da mídia que, por muito tempo, parece que se acreditou que a mídia não deveria se pronunciar sobre esse assunto para não incentivar novos casos. Eu acho que a questão é como falar. Porque, se a mídia fala disso como se fosse uma novela, com dramatização, aquilo que torna algo que chega perto de um “endeusamento” de quem fez… A questão é a mídia usar isso de uma forma informativa, de mostrar caminhos, pensando que quem está no mesmo sofrimento pode buscar ajuda: “Olha, realmente, é um estado de adoecimento, de sofrimento… As pessoas precisam de ajuda e existem tais locais que você pode procurar ajuda…”. Ou apresentar pessoas que superaram de alguma forma essa dor, que mostre como ela conseguiu melhorar. Acho que, de acordo como ela trata essas informações, pode ser muito útil.

 

P.N. – Há um caso que foi mais difícil de lidar ou que lhe causou mais comoção?

G.G.S. – Sempre tem um caso que mobiliza mais, que choca mais. Depende da carga que a pessoa traz, depende do estado emocional em que ela está. Quando a pessoa está aqui, eu estou aqui com ela, eu estou no mundo dela; mas, quando ela vai, ela tem que ir embora e levar suas coisas. A gente tem que ter esse trabalho de não se misturar, nesse sentido de não absorver o que esse alguém trouxe. Mas, existem alguns casos que realmente marcam mesmo… Nos faz ficar pensando naquilo.

 

P.N. – Quais suas perspectivas futuras em relação ao tema? O cenário é positivo?

G.G.S. – A gente espera que sim. Eu acho que, às vezes, as coisas acontecem, ganham um “bum”, justamente para chamar atenção da necessidade de olhar para isso, de cuidar disso. Acho que a gente está em um momento em que a saúde mental está em evidencia, isso tem um significado. Quem sabe se não é isso que vai fazer com que as pessoas possam olhar para a saúde mental e buscar caminhos para lidar com ela?! Então, acredito que sim, que nós podemos. Tudo depende da forma em que a sociedade vai lidar com isso daqui para frente, quais os caminhos que vão ser buscados por cada um de nós e de como a sociedade de modo geral vai lidar com isso.


Produzido por: Abraão Filipe Marques de Oliveira e Maria Fernanda de Oliveira Ruas

Professor orientador: Ricardo Duarte

Disciplina: Narrativas

Semestre: 2018/1