Análise do cotidiano em escolas públicas de ensino fundamental 

A educação talvez seja a atividade humana mais importante para nossa sociedade nos dias de hoje. E, no contexto político atual do Brasil,  fundamentos científicos vêm sendo questionados sem apresentação de argumentos válidos – vide o movimento dos terra planistas; a série de acontecimentos históricos que vem sendo  deturpados, como a comemoração do golpe de estado e instauração da ditadura militar por parte de um grupo social de centro-direita. Nesse sentido e como consequência desse quadro a desvalorização da Ciência e do Ensino tem sido uma pauta altamente negligenciada pelo Governo, o que tem resultado em  cortes absurdos para os trabalhos científicos, tanto a nível superior quanto no ensino básico. 

Tendo em vista esse cenário, pensar e repensar a forma como nós ensinamos e somos ensinados é essencial para assegurar que não haja mais perdas, desmontes e retrocessos. Que a pluralidade humana, a diversidade de pensamentos e culturas continue sendo validada e respeitada. Nesse sentido,  pesquisas como a do aluno Lucas Araújo Silva aparecem como um excelente mecanismo de resistência, por se colocar na contramão desse movimento anti cientificismo.

Lucas é um estudante negro, de vinte e dois anos que se identifica como cis e homossexual, ele está na graduação em Letras pela Universidade Federal de Viçosa. Desde 2018, ele vem realizando uma pesquisa de Iniciação Científica – modalidade que corre grande risco de extinção por falta de recurso e incentivo – cujo tema é a formação de professores e educadores, ligado à questões de gênero e sexualidade. 

“Formação Continuada de Educadores em Gênero e Sexualidade: Cenas do Cotidiano Escolar”,  esse é o título da pesquisa realizada pelo estudante, que busca, como o próprio nome indica, identificar como esse campo temático é abordado, ou não, dentro da sala de aula, tentando compreender se há de fato uma transmissão de informação ou desinformação, e se os professores têm uma capacitação para abordar o assunto de maneira humanizada, respeitando a liberdade e a diversidade humana, em sala de aula. Além disso, há também a análise de como esse ensino reflete e é absorvido pelos estudantes, uma vez que eles estão em uma faixa etária na qual tudo é muito novo e absorvido sem muitos filtros. A parte prática do projeto de iniciação tem sido desenvolvida em escolas de ensino fundamental com turma de 10 à 13 anos.

Mas como está a situação da educação no Brasil atualmente?

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que serve para nortear os currículos e propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, no Brasil. 

Em 2018, a nova BNCC foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação e deixou muitos Educadores e Cientistas Sociais preocupados, uma vez que ela trouxe drásticas indicações de conteúdos que a partir desse momento não serão prioridade de ensino, e ao mesmo tempo, trouxe de volta a obrigatoriedade do Ensino Religioso, o que preocupa e ameaça a liberdade de escolha da fé das pessoas, uma vez que o ensino religioso contempla apenas o Cristianismo, deixando de fora todas as outras religiões. Essa base tem até 2022 para ser completamente implementada nas escolas, e as análises das redes educacionais que já estão seguindo os direcionamentos dela tem ilustrado que a temática de sexualidade e identidade de gênero, por exemplo, estão sendo completamente ignoradas por falta de materiais didáticos que tratem do assunto e preparo dos professores e pedagogos.

Mas como funciona essa pesquisa?

A percepção  [que tive] foi a de existir um preconceito velado e também explícito a partir dos envolvidos ali, tanto os alunos quanto às estagiárias, e também uma desinformação muito grande por parte delas, principalmente 

 A pesquisa do Lucas tem como foco a problematização e a análise do ambiente escolar e em como as noções de gênero e sexualidade são aplicadas e replicadas nele. Observando se há uma defasagem nesse ensino tanto para os alunos quanto na formação dos educadores. 

 Importante lembrar que todo esse contexto social e a discussão sobre esses temas ainda são bastante complicados de serem feitos por conta do molde conservador, heteronormativo e patriarcal no qual a nossa sociedade está construída e consolidada.  Por isso para grande parte da população, esses assuntos são tabus e é justamente isso que o estudante tem percebido em suas imersões nas escolas.

 Outro fator, que segundo o estudante, influenciou negativamente a discussão dessa temática é o fato do nosso atual presidente, Jair Bolsonaro, se mostrar bem recluso a esse assunto e também temos a ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no Governo Jair Bolsonaro. que deu algumas declarações polêmicas reafirmando o tom conservador do governo sobre esses assuntos para a sociedade brasileira como um todo.

 Um ponto de destaque dessa pesquisa de Iniciação partiu do cenário criado pela ministra. O pesquisador fez uma alusão à famosa fala da Damares em seu trabalho intitulado “Estudo de Caso Real Menino Veste Azul e Menina Veste Rosa” e explicou a relação de projetos de lei como o Escola Sem Partido e os planos do Governo Bolsonaro afetam as dinâmicas do ensino de gênero e sexualidade nas escolas.

 A metodologia usada por ele foi a Observação Participativa, onde ele não só se insere nas salas de aula para ver e analisar, mas também pode interagir com o meio e assim fazer um relato e registro. Lucas fez seu trabalho de campo em uma escola da cidade de Viçosa durante os meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2018.  

 “A percepção  [que tive] foi a de existir um preconceito velado e também explícito a partir dos envolvidos ali, tanto os alunos quanto às estagiárias, e também uma desinformação muito grande por parte delas, principalmente. Mas que também estava presente nos alunos, essa desinformação acaba contribuindo para que os profissionais de Educação, de uma forma geral, não se sintam confortáveis para ter debates sobre esse assunto nas escolas, uma vez que eles não estão preparados [para lidar com esse assunto]” relata Lucas Araujo.

 Com isso conseguimos ver o quão complicado é abordar gênero e sexualidade nos dias de hoje. Com um governo retrógrado e ainda a concepção culturais de nossa sociedade que tornam esse assunto um tabu, pesquisas como a de Lucas se mostram cada vez mais necessárias, para que seja possível debater esse assunto e melhorar a situação da educação no Brasil.

Autores: Yan Gabriel Oliveira e Sarah Venâncio de Almeida