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Wanderson da Silva Meireles (1973-2020)

Entre as inúmeras estradas da vida, traçou a que deu forma à mais pura e batalhadora história de amor.

Wanderson foi personagem central de uma grande história de amor. Aos 20 anos, ainda muito jovem, seu caminho se cruzou com quem dali em diante seria sua maior companheira, amiga, esposa e mãe de seus filhos. São Jorge, santo de força e bastante devoção no Rio, abençoou o casal e os uniu para o que seria a vida eterna, durante uma festa da igreja da comunidade.

Carla, com apenas 14 anos de idade, encontrou o príncipe encantado dos livros de infância. Não tinha quem impedisse aquele amor de crescer e de se fortalecer a cada dia que passasse. “Um completava o outro”, diria seu futuro sobrinho muitos anos depois.

No aniversário de 15 anos da bela moça, lá esteve ele. Não era nada chique, era uma comemoração simples de família, mas o príncipe, sem terno e muito menos gravata, marcou presença na festa que duraria até o sol raiar. E, para sorte do casal, nem o príncipe nem a princesa precisaram correr ao relógio marcar meia-noite. Pelo contrário, permaneceram por muitos e muitos anos.

De início, Wanderson não havia conquistado o coração de sua sogra, assim como fez com a filha dela. Seus feitos de juventude revelavam uma imagem de rapaz rebelde, levado e que certamente não serviria de bom marido para qualquer jovem do bairro. Com seu Fusca Baja, desfilava pelas ruas da comunidade, com funk tocando na maior altura que acabava por enlouquecer as velhinhas da rua. Uma delas teve o “prazer” de receber o rapaz em sua casa, de uma maneira inesperada e nada convencional. Wanderson bateu com o carro no muro da casa daquela senhora, sem ao menos ser convidado para um café.

As amigas de dona Maria Izabel a alertavam do erro que estaria cometendo na vida da única filha mulher ao deixá-la “juntar as trouxas” com aquele homem. Mas ela não quis ser a bruxa malvada da história. Acolheu o rapaz sob o próprio teto ao perceber que ali vivia um amor mais forte do que qualquer fofoca das mulheres do bairro.

Após longos anos tentando gerar uma criança, Wanderson e Carla tornaram-se os mais novos papais da casa. Trouxeram ao mundo um belo e lindo menino, Carlos Anderson, um presente planejado e muito querido. O papai orgulhoso queria gritar a novidade para os sete cantos da Terra e nenhuma comemoração seria suficiente para descrever o misto de sentimentos que carregava dentro de si. Por isso, antes mesmo de a esposa chegar do hospital, a festa já estava organizada. O churrasco assando, a cerveja gelada e a família e amigos prontos para uma semana inteira de comemorações. Dia e noite de muita música, comida e bebida, e, acima de tudo, muita felicidade.

A princesinha da família só foi chegar dez anos depois, de maneira totalmente imprevisível, que quase fez infartar o pai organizado e que planejava tudo com antecedência para ter certeza de que nada faltaria para aquela família. Isabella chegou de forma abençoada e já encontrou seu ninho no colo do pai babão e protetor.

Sua pequena o fazia de gato e sapato, ou, melhor dizendo, de Lorenzo. Isabella o apelidou com o mesmo nome de um amiguinho da escola. E era nesses momentos, como Lorenzo, que Wanderson realizava os mais puros e memoráveis desejos da filha. Dentre todos os brinquedos do quarto da menina, ele era sem dúvida o favorito: o boneco gente grande que era maquiado e penteado por um de seus maiores presentes.

Em 2004, antes mesmo de a caçula nascer, uma doença bateu na porta daquela família. Wanderson foi diagnosticado com derrame pleural, um acúmulo de líquido entre os tecidos que revestem o pulmão e o tórax. Nesse momento de fragilidade, encontrou na sogra a força e o cuidado de que tanto precisava. Dona Maria Izabel ficou ao lado dele dia e noite, cuidando e auxiliando em todas as medicações ao longo do tratamento. A partir dali o laço não era mais de sogra e genro, e sim de mãe e filho.

Nessa época, o casal e o até então único filho já haviam se mudado da casa da sogra para seu próprio lar. Como um grande “Seu faz tudo”, como diria Maria Izabel, construiu a casa do chão ao teto, Cada parede, cada parafuso tinha o toque e a dedicação do homem. Como ele gostava de trabalhar sozinho, foi seu próprio suor que levantou aqueles muros e o teto que hoje protegem sua família.

Aos domingos, toda a família ia até a casa da matriarca e descansavam, ou então trabalhavam, como era o caso de Wanderson. Ele não gostava de ficar parado. Sentar no sofá em pleno domingo? Jamais. Ele precisava estar em constante movimento. Na garagem da sogra, mantinha sua Kombi, um de seus grandes amores, depois da família, é claro. Passava a tarde inteira se divertindo, da sua maneira: consertando e melhorando o veículo.

As ferramentas ficavam por todos os lados, a maior bagunça. E lá ia sua segunda mãe guardar tudo para que ele não perdesse nada. Ela sabia a alegria e a benção que ele havia trazido para aquele lar, então nada mais justo que mimá-lo um pouquinho. E por isso, quando ele desejava um peixinho frito, ela fazia questão de preparar. Carla nunca gostou do cheiro que o peixe exalava pela casa, e por isso Wanderson, com carinha de filhote pidão, ia até a sogra “encher o bucho” com seu prato favorito.

Entre os dotes de pedreiro e mecânico, Wanderson andava pela cidade de cima a baixo, levando passageiros em sua van — isso quando não organizava excursões e passeios em cidades vizinhas ao lado da esposa. Em um dos passeios para o Hopi Hari, no interior de São Paulo, segurou a bolsa de Carla enquanto ela ia em um brinquedo. Quando a esposa saiu, menos de cinco minutos depois, descobriu que Wanderson havia perdido sua bolsa com todos os documentos, incluindo dinheiro. Na hora foi desesperador, mas a história rende risadas até hoje. Ai se dona Maria Izabel estivesse presente, certamente iria guardar a bolsa num local seguro, já que conhece o genro que tem.

Realmente, ele sempre foi um homem muito determinado e comprometido com as suas obrigações. Faria qualquer coisa para cuidar daqueles que amava, e por isso, quando percebeu que Carla precisava de uma mãozinha, nem pensou duas vezes.

Ela trabalhava longe, passava horas e horas dentro de um ônibus para ir e voltar. Saía de casa antes mesmo de seus filhos acordarem, e quando retornava já era tarde da noite e as crianças estavam cansadas e prontas para dormir. Era uma rotina cruel, mas conseguiram encontrar um jeito de trazer a mãe para perto dos filhos. Wanderson, como um bom “Seu faz tudo”, começou a construir uma pequena lanchonete na casa da sogra.

Os vizinhos e senhores do bairro sentavam ali e de lá não saíam mais. Não só o pastel era uma delícia, mas o papo era ainda mais prazeroso de manter. Wanderson trabalhava pela manhã e enchia as cadeiras e mesas, conversando com seus clientes e levando sinceros sorrisos para a rotina daquelas pessoas.

Sua alma boa e seu coração gigante eram reforçados diariamente por suas atitudes, seja dentro de casa ou com desconhecidos. Certa vez, quando foi a um show do Elymar Santos, passou todo o evento ao lado de um homem, ajudando-o a encontrar a prótese da perna mecânica que havia perdido em meio à multidão.

Wanderson foi o príncipe encantado de Carla, com quem conheceu o amor pela primeira vez e viu florescer, em seus pequenos, o amor que ela sempre recebeu daquele grande homem. Mais que um pai e um marido presente, ele foi seu confidente, o melhor amigo, e juntos eles passavam horas rindo e fofocando, e trocando seus mais sinceros “Eu te amo”.

Sua estrada da vida traçou rotas inesperadas pelos viajantes. Chegou de repente e se foi ainda mais depressa. Mas ele, que sempre esteve presente em vida, hoje percorre só mais uma outra viagem de excursão e em um futuro, talvez um pouco distante, aguarda sua esposa e seus filhos para mais uma viagem em família.

Wanderson nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 46 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Wanderson, Carla Cristina Izidoro Bastos Meireles, para Jéssica Morgenia. Publicado no portal inumeraveis.com.br em 8 de setembro de 2020.

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