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Ciro Ricardo Pires de Castro (1945-2020)

Médico admirável. Realizou numerosos partos e muitas dessas crianças ganharam seu nome.

Dono de um grande coração, seu lado humano foi sua maior qualidade.

Colecionador de memórias, Ciro tinha a mania de lotar as gavetas do seu escritório com bilhetes e plaquinhas de homenagens recebidas. Guardava todas as lembrancinhas da época de criança dos seus três filhos, Ciro, Andrea e Daniela, sempre com muito carinho e cuidado com cada detalhe.

A todo momento queria a família junto dele. Se pudesse, manteria todos próximos, de preferência dentro de sua casa. Gostava de vê-la cheia, com os filhos e netos juntos, e na hora de ir embora, Ciro tentava convencê-los a ficar um pouco mais. Mesmo com os dias corridos e com a distância, ele soube se fazer presente.

Ciro foi casado por mais de quarenta anos com Núbia, mulher que ele se apaixonou à primeira vista. Após uma semana do primeiro encontro, já estavam noivos, planejando o casamento. Construíram juntos uma relação de apoio e cumplicidade, com muito amor e dedicação. “O grande amor da minha vida”, Núbia se refere ao esposo.

Sempre apreciava uma boa comida e, mais tarde, começou um novo desafio, a culinária. Fazia tudo que remetia carinho, como pães, bolos e todos os tipos de doce. Cozinhava mesmo para agradar a família, e aprendeu até a fazer comidas vegetarianas por causa de seu neto.

Para Ciro, o que importava eram as pessoas e o seu bem-estar, tanto quanto o dele próprio.

O seu hobby favorito sempre foi o conhecimento. Quando chegava em casa após um longo dia de trabalho, tomava banho e logo se debruçava em seus estudos. Sua mente era como um computador, que decorava poesias para recitá-las a qualquer momento.

Amante dos livros, ele gostava de andar pela cidade e parar em cada sebo. Tinha preferência pelos antigos, com as páginas amareladas por causa do tempo. Também apreciava a música, colecionava vinis e era um pianista clássico, do tipo que toca Beethoven.

Fato é, fosse através da literatura ou da música, a cultura brasileira lhe encantava.

Ciro possuía uma relação muito próxima com o Rio Araguaia, onde adorava pescar. Costumava contar que certa vez foi engolido por uma cobra gigante durante uma das suas aventuras, mas conseguiu se salvar. Claro, como todo bom pescador, ele aumentava a história para torná-la mais interessante, mas pouco importava para os seus netos, que gargalhavam enquanto escutavam o feito do avô.

Totalmente apaixonado por sua profissão, Dr. Ciro foi querido entre pacientes e amigos de trabalho. Após concluir a faculdade de medicina na Universidade Federal do Paraná, ele foi trabalhar na cidade de São Paulo. Depois de alguns anos, a rotina da cidade grande já não o agradava mais. Foi quando ele conseguiu uma vaga para trabalhar na Amazônia, na época da construção da transamazônica.

Muito interessado pela história da formação do Brasil, logo se envolveu com grupos de seringueiros e com os índios. “Ele se misturava, era muito coração”, conta seu filho, que se chama Ciro em homenagem ao pai. Ali começou a sua história humanitária.

Já na década de 70, montou um pequeno hospital de referência na cidade de São Miguel do Araguaia, no noroeste de Goiânia, onde recomeçou a vida após a passagem pelo norte. Lá, ele realizou tantos partos que muitas crianças da cidade ganharam o nome Ciro Ricardo em sua homenagem.

Quando diretor-geral do Hugo (Hospital de Urgência de Goiânia), tinha sua rotina diária. Era o primeiro a chegar no hospital, às 6h da manhã. Visitava a carceragem do hospital, onde ficam os presos feridos, porque para ele ali não existia diferença, eram todos pacientes. Em seguida, falava com os chefes de enfermagem e coordenadores médico de cada setor e andar, e posteriormente, visitas todas as UTIs, leito por leito.

Trabalhou e criou o Siate (Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência) juntamente com outros companheiros, onde esteve à frente por aproximadamente dez anos. Ciro e os colegas, em parceria com o Conselho Regional de Medicina, ministraram cursos de emergência e traumas no interior do estado, atualizando médicos e demais profissionais da saúde.

Ciro foi responsável por um grande impacto na saúde do estado, combateu a grande mercantilização que ocorre na profissão. Com seus 75 anos e aposentado, nunca cogitou parar de trabalhar.

Figura impar, plural e multifacetada, que serve de inspiração para muitos atuais e futuros médicos de Goiânia. Sua humanidade foi seu grande legado.

Ciro viveu uma vida plena, pessoal e profissional. Amou e foi amado, cuidou e foi cuidado, conheceu e foi conhecido. E, com todo esse conhecimento, ele concluiu nas próprias palavras: “A verdade sempre é mais bonita”.

Ciro nasceu em Goiânia (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Ciro, Ciro Castro, para Stefhany Barreto. Publicado no portal inumeraveis.com.br em 14 de agosto de 2020.

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