Como ansiar demais pelo futuro nos faz esquecer de viver o agora
O que você faria se, de repente, passasse a acordar sempre em um mesmo dia? Vivendo todo dia o mesmo dia, fazendo o que bem entender. Afinal, amanhã ninguém irá lembrar que você estava andando de bicicleta dentro da escola, ou que dirigiu loucamente pelas ruas, ou que pulou do telhado segundos antes do relógio marcar meia noite. E você sempre acorda na sua cama, repetindo o mesmo dia, com os mesmos fatos acontecendo, as mesmas situações e conversas, que, às vezes, não queremos ouvir ou encarar. É o que acontece com Mark e Margaret em O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas, filme de 2021, do diretor Ian Samuels.
Mark é um jovem que vive o mesmo dia todo dia, preso em uma anomalia temporal, experimentando coisas diferentes e assistindo às mesmas situações todos os dias, até que, em um desses mesmos dias vividos repetidamente, encontra Margaret, uma garota que nunca havia aparecido no seu dia e que também se encontra presa na anomalia temporal. Ele quer sair. Ela quer ficar. Quando se encontram, querem entender, juntos, o porque de estarem presos ali.
Buscando uma saída para esse tempo maluco, Mark sugere que montem um mapa com as pequenas coisas perfeitas que acontecem naquele dia. Por pequenas coisas perfeitas ele quer dizer aqueles momentos triviais que não damos a devida atenção. Uma águia que pesca um peixe, um casal de velhinhos rindo juntos, um zelador que se senta por um instante ao piano e toca a melodia mais linda que você já escutou na sua vida. E, como o dia sempre recomeça, ele o redesenha todos os dias.

O filme nos trás uma singela reflexão sobre o tempo, o passado, o presente e o futuro, ao mesmo tempo em que temos uma perspectiva de medo do amanhã. Mark e Margaret mostram como a aleatoriedade da vida pode se tornar uma coisa perfeita e que tudo pode ser incrível se olharmos da forma certa. Estamos vivendo a vida buscando o futuro, sem dar a devida atenção para o agora. O que será de nós amanhã? O que será de mim? Será que eu consigo superar mais um dia? Como o que acontece hoje pode impactar o meu amanhã?
Temer muito o amanhã e refletir bastante o ontem me assusta demais no hoje. Semana passada estava indo para o primeiro dia de aula com maria chiquinha no cabelo e um tênis novinho. Hoje acordei atrasada, coloquei meu All Star surrado e fui assistir aula de Química Geral na faculdade. Você piscou e sua irmã mais nova já vai completar 17 anos. Sua mãe, de repente, está com o cabelo grisalho e ruguinhas pelo rosto. Seu avô já não tem a mesma facilidade que tinha para caminhar. Ontem você viu uma criança pequena aprendendo a andar de bicicleta, amanhã ela já está estudando no Coluni e almoçando do seu lado no RU.

Talvez devêssemos apenas esquecer por um momento o passado e o futuro. O tempo passa e estamos passando junto. Pra onde estamos indo? Por que tanta pressa? Nem sabemos se vamos estar por aqui amanhã. Guerras, mudanças climáticas, ascensão do neofascismo. Os momentos que importam vão ficando para trás, se tornam errados, desnecessários, descartáveis. Crie momentos que importam, viva o agora. Convide seus amigos para comer cookies e tomar chocolate quente em um dia frio. Vá ao cinema sozinha. Faça um piquenique em um sábado de manhã. Se declare pra menina do sorriso charmoso, que é a mais linda que você já viu. Dê o seu primeiro beijo no seu tempo, continue desejando que seja um momento especial. Faça miojo com requeijão e muçarela para o jantar. Tome banho de chuva. Dance jazz na sala de estar com o menino fofo do cabelo cacheado.
Você acha que está aproveitando a vida? Se amanhã você não acordar, você terá partido com a sensação de que fez o que queria ter feito? Viver não é só provas, trabalhos, estudos, passados e futuros. Viver é hoje, é agora, é o céu com um tom rosinha no por do sol, é sentar na grama e observar a lua cheia, é andar pela reta da UFV e encontrar os bebês capivaras, é sorrir pro arco-íris no céu depois da chuva. Viver é guardar essas memórias, não só na mente, mas no lugar mais especial que seu coração tiver.
A um tempo atrás notei que estava apenas sobrevivendo e não aproveitar a vida estava me matando de pouquinho a pouquinho. Então comecei a reparar nas pequenas coisas perfeitas que aconteciam comigo, com as pessoas com quem eu me importo, ao meu redor. Dai comprei uma câmera. Mas não uma qualquer, uma câmera analógica, com fotômetro de selênio, que funciona com filme 35mm. Uma câmera em que eu preciso juntar as pequenas coisas perfeitas fotografadas em pequenos momentos perfeitos em pequenos dias perfeitos para revelá-las depois. Não preciso ter pressa, estou ilustrando o meu próprio mapa das pequenas coisas perfeitas.

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