Negar a política no esporte é esquecer quem precisou lutar para entrar em campo.
“Atleta tem que jogar, não dar opinião.” Frases como essa costumam aparecer toda vez que um jogador, jogadora ou equipe usa sua visibilidade para se posicionar diante de injustiças sociais. Mas o que muitos tentam ignorar é que o esporte nunca foi neutro — ele sempre refletiu, tensionou e até moldou os conflitos políticos do seu tempo.
A exigência de neutralidade imposta aos atletas é seltiva e hipócrita. O corpo de quem compete também é um corpo político, atravessado por gênero, raça, classe e orientação sexual. Silenciar ou punir manifestações dentro do esporte é uma tentativa de apagar vozes que questionam privilégios — e, em muitos casos, denunciar violências sistemáticas.
Basta olhar para a história: as Olimpíadas de Berlim, em 1936, foram usadas pelo regime nazista como propaganda. A Copa do Mundo no Catar, em 2022, escancarou a exploração de trabalhadores imigrates e repressão a direitos cívis — sem contar a proibição da braçadeira “One Love”, que mostrava apoio a comunidade LGBTQIA+, vetada pela FIFA sob ameaça de punições, em um claro gesto de silenciamento.
Ainda assim, quando atletas se manifestam, eles se tornam alvo de críticas e perseguição por parte da mídia e das torcidas. O quarterback Colin Kaepernick, por exemplo, teve sua carreira boicotada após se tornar um ativista contra a violência policial nos Estados Unidos. Seus atos — primeiro ao se sentar e depois ao se ajoelhar durante a execução do hino nacional — tornaram-se símbolos de resistência, mas também lhe custaram contratos e apoio dentro da NFL.
“Não vou me levantar para demonstrar orgulho pela bandeira de um país que oprime negros e pessoas de cor. Para mim, isso é maior do que o futebol americano”, comentou Kaepernick na época.

Foto: Ezra Shaw
No Brasil, Reinaldo — ídolo do Galo — foi um dos maiores críticos à ditadura militar que comandava o país. O atacante comemorava seus gols com o punho cerrado, em referência ao movimento dos Panteras Negras nos Estados Unidos. Um símbolo de resistência antirracista e socialista.
Lewis Hamilton, na Fórmula 1, se posicionou politicamente através de camisetas com frases antirracistas e ao se ajoelhar em apoio ao movimento Black Lives Matter durante as temporadas de 2020 e 2021. Pouco tempo depois, a FIA — entidade máxima da categoria — proibiu manifestações políticas por parte dos pilotos sem aprovação prévia.
A mensagem é clara: posicionamentos incômodos à neutralidade aparente do esporte seriam controlados, mesmo que silenciosos, simbólicos e pacíficos.
Esses não são casos isolados. Megan Rapinoe, jogadora da seleção dos EUA, também enfrentou represálias por sua militância feminista e LGBTQIA+. Richarlison virou referência ao falar abertamente sobre saúde mental. O ponto em comum? Nenhum deles ficou em silêncio — e pagou o preço por isso.
Curiosamente, essa “neutralidade” só é cobrada quando o discurso vai na contramão do status quo. Homenagens militares em jogos, gestos patrióticos forçados e uso de símbolos nacionais são normalizados. Já protestos antirracistas ou em defesa dos direitos humanos são tratados como afronta. A neutralidade, nesse caso, serve apenas para manter as estruturas como estão.

Foto: Armenio Abascal
Durante décadas, mulheres foram proibidas de competir, silenciadas, subestimadas e invisibilizadas. No Brasil, o futebol feminino foi oficialmente proibido por lei entre 1941 e 1979 — e mesmo após a liberação, o preconceito persistiu. Ainda hoje, mulheres enfrentam disparidade salarial, falta de patrocínio e cobertura midiática desigual. E mesmo assim, seguem ocupando espaços, rompendo barreiras e reivindicando visibilidade.
No brasil, clubes como o Corinthians nasceram da exclusão: criados por trabalhadores que não podiam jogar nos times da elite, encontraram no futebol uma forma de afirmar identidade, classe e pertencimento. A história do esporte está entrelaçada com lutas sociais e identitárias desde o seu início.
Há quem diga que “o torcedor só quer ver o jogo, não política”. Mas torcer também é um ato social. Cantar o hino, usar a camisa, gritar com o juiz ou chorar pela derrota: tudo isso expressa identidade, emoção e pertencimento. E a vida de quem está no campo, nas quadras ou nas pistas e fora deles, é atravessada por questões políticas. Fingir que o esporte não é político é escolher o lado de quem nunca precisou lutar por nada além do placar