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Olhe ao seu redor, você está sozinho

Este artigo é para você que em algum momento se sentiu sozinho nesse ano

03 de dezembro de 2022. É 00h55, estou deitado no banco do ponto de ônibus no meio da universidade enquanto começo a escrever esse texto. Como eu cheguei aqui? Isso é conversa para depois.

Nas últimas semanas eu criei uma espécie de rotina: ao final do meu dia, após cumprir todas minhas obrigações acadêmicas e pessoais, seleciono umas 5 ou 6 músicas, tomo um banho, escovo os dentes, deito na minha cama e assisto a um ou dois episódios da minha série favorita até o sono vir de encontro à minha mente.

Eu nunca gostei de rotinas, de repetir os mesmos movimentos sempre, no entanto, um dos motivos que me levaram a escolher o jornalismo como carreira foi a imprevisibilidade da profissão. Porém, essa rotina em específico, esse pequeno momento ao final dos meus dias, onde deito sem nenhuma obrigação, apenas com a companhia da minha série favorita, foi uma das melhores coisas que aconteceram no meu ano. E por que eu estou contando isso? Você vai entender.

Esse ano eu vivi altos e baixos, basicamente não vivi um meio termo por uma semana ou mais, não sei até que ponto isso pode ser considerado bom. Alguns amigos mais próximos sabem de uma pequena parcela do que aconteceu comigo nesse ano, outros nem fazem ideia do que se passa pela minha cabeça enquanto faço algumas piadas bobas e falo besteira, mas tudo bem, isso não é culpa deles. Eu nunca consegui expor o que me atormenta, nem mesmo para os meus pais ou para a minha irmã, e novamente, isso não é culpa deles. Essa é uma característica minha que provavelmente seria facilmente trabalhada em umas três ou quatro sessões de terapia, mas eu sou orgulhoso demais para aceitar ajuda quando tenho alguns lapsos de felicidade nos meus dias. Mas bom, agora eu estou expondo tudo isso com você. Você que está lendo isso, sinta-se especial.  

Esse ano, por diversos momentos, eu me senti completamente sozinho, mesmo enquanto estava com pessoas ao meu redor, com pessoas que eu amo com todo o meu coração, mas o problema estava em mim, ele sempre esteve em mim. Fosse pela ansiedade, pelo medo, pelos pensamentos que insistem em me atormentar. Por muito tempo o plano de fundo do meu celular era uma imagem que continha a frase “Você não consegue controlar tudo ao seu redor. E tudo bem”. De algum modo, sempre que lia aquilo, eu tinha a falsa esperança de que as coisas ficariam bem, de que bom, eu realmente iria entender que é impossível controlar tudo ao meu redor, mas enfim, a realidade funciona de uma maneira diferente. E bom, por incrível que pareça, algo bom surgiu disso.

Ao tentar fugir do incontrolável, muitas vezes de maneira covarde, eu admito, simplesmente para não ter que lidar com determinadas situações, com determinados pensamentos, eu fui de encontro ao o que de fato estava sob o meu controle. Eu deitei na minha cama, liguei a televisão e dei um play na minha série favorita pela 11ª vez nos últimos nove anos. Caramba, olhando assim é uma relação mais duradoura do que a que eu tenho com 90% dos meus amigos. E é nesse ponto que eu queria chegar.

Reprodução: Internet

Existem dois termos chamados comfort movies e comfort series, em uma tradução literal, filmes conforto e séries conforto. Talvez você já tenha ouvido falar neles, mas caso não, vou explicar de maneira rápida. Como a própria expressão já diz, comfort movies e comfort series são basicamente aquelas produções que te trazem algum tipo de conforto, e isso não está nada ligado ao enredo da história ou ao gênero em que ela se encontra, o principal é o jeito que aquele filme ou aquela série age na sua vida. A maneira mais simples de explicar isso é pensar em uma pessoa que ama filmes de terror e, sempre que possível, assiste a Um Lugar Silencioso simplesmente porque é o filme favorito dela, é a produção que está ali para ela em todos os momentos, bons ou ruins. Não é sobre a obra, é e sempre vai ser sobre a pessoa.

Falando de um modo mais científico, a psicóloga Marina Prado Franco, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental e Mestre em Psicologia Clínica, explica que a área do nosso cérebro que está ligada ao prazer é chamada de circuito de recompensa, mas trata-se do sistema mesocorticolímbico. “Nesse sistema, acontece a interligação de algumas partes, como, por exemplo, a amígdala, o hipocampo e parte do córtex pré-frontal. Há, nesse circuito, a produção da dopamina, o que traz a sensação de bem-estar e faz com que a gente queira repetir essa experiência, por conta até de áreas do cérebro ligadas à memória”.

Segundo Franco, assistir a séries e filmes, justamente por ativar esse sistema de recompensa, pode acabar, sim, resultando na diminuição da ansiedade. “Em algumas situações que vivenciamos, somos expostos a estímulos que vão causar a sensação de ansiedade e medo numa frequência maior que em dias normais, digamos assim, é muito importante fazer atividades que permitam acesso a esses estímulos prazerosos para a nossa mente. Através do acesso a esses estímulos, estaríamos até mesmo utilizando da inteligência emocional para tentar reverter esse processo de ansiedade ou alteração de humor para um humor considerado mais positivo”, aponta a psicóloga.

Agora que já embasei cientificamente tudo o que eu disse, podemos voltar para a minha boa e velha falação habitual.

Reprodução: Namoro ou Liberdade (2014)

Nesse ano, na linha tênue entre o tudo ou o nada que comentei agora a pouco, algumas constantes se mostraram presentes na minha vida. Eu sempre estive acompanhado pelos meus filmes e séries favoritos. Fosse quando assisti a Namoro ou Liberdade umas cinco vezes e sempre sorri e me emocionei nas mesmas cenas ou quando acrescentei How I Met Your Mother na minha rotina e vi que bom, pelo menos por aqueles 40 e poucos minutos antes de dormir eu não estava sozinho, eu tinha a companhia da série que me acompanha desde os meus 11 anos.

Você deve se lembrar quando disse que estou assistindo à minha série favorita pela 11ª vez nos últimos nove anos, e esse artigo é todo sobre isso.

Na ausência de pessoas, filmes e séries podem se tornar ótimas companhias. Afinal, eles sempre vão estar ali.

Nos artigos de opinião em que escrevo para o Cinecom, sempre gosto de trazer coisas pessoais e fundir elas ao foco do projeto, o cinema. Já contei para você sobre como eu me considero uma pessoa quebrada e expus como a ansiedade me atormenta em diversos momentos, e esse artigo de agora veio durante uma sequência de dias em que eu me senti completamente sozinho.

Eu não sei explicar exatamente o que se passa pela minha mente, e você nem mesmo precisa se esforçar para me entender. Ao conversar com uma pessoa muito importante, ela me disse que sentia que faltava algo em mim, que bom, isso poderia se tornar perigoso à médio e longo prazo. E realmente, essa pessoa estava certa.

Foi naquela conversa de 20 minutos onde fui completamente lido que eu percebi que o fato de eu me sentir sozinho daquela maneira era responsabilidade minha. Fosse pelas pessoas que, por mais que eu quisesse continuar tendo contato, de algum modo eu acabei afastando ou pela dificuldade de tentar consertar os erros que eu já havia cometido, mesmo que eles fossem completamente reparáveis.

Muitas coisas aconteceram após aquela conversa.

Reprodução: How I Met Your Mother (2005-2014)

Nesses últimos dias, em um deles bastante cheio, onde convivi com diversas pessoas, algumas delas estando entre as que eu mais amo, novamente perdi a batalha contra a minha própria mente. Enquanto esboço alguns sorrisos e invento algumas desculpas para quando me perguntam se está tudo bem, minha cabeça é tomada por pensamentos incontroláveis, medos que insistem em me assombrar, mas bom, não posso considerar uma luta perdida se eu me recusar a lutar. Sim, covarde, eu sei.

Após decidir andar, meio que sem rumo, apenas para sentir o vento batendo no meu rosto para me mostrar que ainda estou nesse mundo, surpreendentemente um pensamento reconfortante vem à minha mente: Quando eu chegar em casa, não estarei mais sozinho, os episódios de How I Met Your Mother estão me esperando.

Na tentativa de tirar algo bom de todas as situações, vejo que aquele dia em que fui completamente dominado pelos meus medos não foi assim tão ruim, eu tinha até mesmo acabado de ter a ideia para um texto, só precisava achar um lugar para me escorar e começar a transformar os meus pensamentos em palavras. Ainda bem que aquele banco estava ao meu lado.

Ao ligar o celular, meus olhos foram de encontro ao relógio. Bom, tudo estava tranquilo. O dia tinha acabado de começar, era apenas 00h55.

Esse texto foi escrito enquanto eu escutava:

Let’s Hurt Tonight

A Concert Six Months From Now

Boy’s Don’t Cry

Gotten

Ouça a playlist completa desse texto no Spotify:

Olhe ao seu redor, você está sozinho – Spotify

Fonte: Você sabe o que são comfort series? Entenda o efeito que elas causam no cérebro

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